Arlete sempre fez o gênero do “se não entendo, logo, não existe”. Afirmava que vivia feliz assim. Segundo a própria, “para que ficar buscando explicações para o inexplicável?”, até o dia em que o inexplicável desafiou-lhe os sentidos.
Estava ela trocando os lençóis da cama, quando o marido parou no corredor e olhou-a de uma forma desconhecida. Estranhou aquele segundo de silêncio, onde tanto se disse e a camisa marrom, tão bem passada, parecia ter saído de uma tinturaria.
Definitivamente, não foi ela que a tinha passado. Jamais. Para passar assim, precisaria de anos de treino, o que fugia de seus objetivos. Diante daquele olhar, quem se importava em saber quem passara a tal camisa?
Lembrou-se de que a camisa estivera no cesto de roupas sujas. Mas, como pensar nisso agora, diante de um olhar tão convidativo? Queria se fartar, jogar para o alto a mãe que era, a dona-de-casa, abrir, enfim, a jaula dos sentidos. E assim fez. Sentia-se bêbada e todos os outros sonoros e sugestivos proparoxítonos.
Do fim do corredor, ouviu um barulho de água caindo e o som do chuveiro ligado na voltagem mais forte. Tentou lembrar de quem poderia estar tomando banho, já que as crianças não estavam em casa.
Num ato heróico, desprendeu-se dos braços do marido, atravessou o corredor e abriu a porta do banheiro, sem pensar muito no que fazia. Lá estava ele, seu marido, debaixo do chuveiro. Todas as gotas do mundo pareciam escorrer pelo seu dorso. Olhou o cesto de roupas e a camisa marrom lá estava. Voltou ao quarto e o dono da camisa impecável havia desaparecido.
Arlete não conseguiu entender o que vivera. Nunca contou a mais ninguém, senão para mim, já que somos comadres.
Stella Tavares
Extraído do livro: O Adestrador de Sentimentos de STella Tavares
14 comentários:
E fez bem de não contar...rs Pena que foi atra´z do barulho e interrompeu um sonho tão belo.
Bonito conto Stella, vou ter que ler seu livro.
beijos
Agora não sei se sonhou com o marido lindo e convidativo numa camisa marron, ou se sonhou ser a melhor passadeira, rsss
Muito bom!
beijos
Ela bem que podia realizar os 2 sonhos, heim? Se jogar com o marido no chuveiro e amá-lo loucamente... e contratar uma empregada para fazer os serviços domésticos rs
bj
Genial Escritora Amiga:
Um texto significativo, esmerado literáriamente e fabuloso de sentimentos, encontros e reencontros. Uma viagem extraordinária pela pessoalidade da gente comum com brilhantismo total.
Situações de um quotidiano específico sentido e vivido, narrado de forma admirável e perfeita.
Sublime, amiguinha. Que outra coisa se poderia esperar?
Brilhante. Talentoso. Intenso. Pleno de afirmação genial.
Parabéns sinceros de respeito pela enorme capacidade e qualidades que possui com as palavras que jorram em histórias intermináveis de beleza. Do real e irreal vivido.
Fascinado pelo seu encanto...
Beijinhos respeitadores e grandiosos de consideração imensa.
Sempre a admirá-la
pena
OBRIGADO pela honra da sua amizade que preservo pela sua magia como escritora fantástica e notável
OBRIGADO!
Bem-Haja!
"Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?
Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida."
José Gomes Ferreira
Um beijo
O mais louco de tudo foi sonhar na realidade, e num pequeno espaço da realidade o sonho foi perdido, mas foram intensos instantes...belo conto, bela historia...depois desse,tenho que me lebrar de comprar uma camisa marrom...rs..rs..beijos querida e um lindo dia pra ti...
Sonhos...
Ainda vou ler esse teu livro.
Olá! Fiz uma visitnha e adorei o post! Beijos!
Visite-nos.
Droga, acordou. heheheheh
Oi Stella, interessante seu texto que parece um conto com falas indiretas. Obrigada pelo carinho de sua visita. Bj.
Obrigado pela visita e pelo comentário, será sempre um prazer ver vc passeando por aqui.
ABs
Mais um motivo para querer ler o teu livro.
Já mandei um e-mail pra ti com todos os meus dados. Vou retransmití-lo.
Beijos,
Furtado.
De quantos sonhos, milhões de almas se alimentam?
Nesta ácida realidade do mundo das gripes, epidemias, extermínio das crianças africanas por subnutrição, o fantasma da crise econômica por irresponsabilidade de financistas internacionais, que pensam que investimento é jogar bingo, sonhar é o melhor negócio.
Mesmo que no final do sonho não se resolva negócio nenhum, como neste seu belo texto. (rsrs)
Certo?
Um abração carioca.
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